Psicanálise virtual de crianças: Reflexões sobre o novo contexto analítico e a psicopatologia «pandémica»
Resumen
Neste artigo, analisa-se o modo como a nova circunstância pandémica por Covid-19, que assolou a humanidade em 2020, constitui um «trauma» com repercussões na área de ilusão e no par analítico, criando um «novo contexto» ou um novo meio ambiente psíquico, no qual decorre a relação. A perda da fiabilidade e da confiança básica no mundo externo, que havia sido tomado por garantido, bem como a alteração do setting, representada pelas mudanças quer do local onde decorre a sessão, no consultório ou virtualmente, quer da introdução de novas exigências de proteção contra a infeção (uso de máscara, medidas de higiene), constituíram uma alteração profunda do quadro, «uma ferida traumática», criando um «novo meio normal» no qual se processa a análise. Esta interrupção do processo tal como era vivido anteriormente gerou uma descontinuidade, a qual se refletiu no psicanalista e na sua prática psicanalítica, no paciente e ainda no processo analítico. Uma psicopatologia pandémica baseada na regressão a estados obsessivos e paranoides precoces pôde emergir como expressão da descontinuidade e enquanto defesa contra a dor melancólica da perda do meio e do self. A estranheza, os estados confusionais, as angústias existenciais de aniquilamento, de perda do sentido da vida e da identidade, bem como a emersão da patologia dos objetos e a depressão precoce, ocorreram na clínica de crianças e de adolescentes até que a relação analítica, com o seu potencial criativo e terapêutico, retomasse o seu percurso. Três vinhetas clínicas, de análise de uma criança, de um adolescente e de um caso de supervisão, ilustram os constrangimentos ocorridos, nos quais tanto o paciente quanto o analista mergulharam.
Biografía del autor/a
Maria José Martins de Azevedo
Psicóloga clínica, psicoterapeuta, psicanalista e escritora. Formadora na Sociedade Portuguesa de Psicanálise (SPP), membro da IPA (Associação Internacional de Psicanálise), da FEP (Fédération Européenne de Psychanalyse) e da SEPEA (Société Européenne pour la Psychanalyse de l’Enfant et de l’Adolescent).
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