Momentos de Não Ser: Ecos na Escuta Analítica
Resumo
Este artigo nasce do convite feito aos membros da Sociedade Portuguesa de Psicanálise por ocasião de seus 50 anos, com o propósito de recordar o passado, pensar no presente e sonhar o futuro. A partir do apreço declarado de Freud pela literatura — traço fundador da própria Psicanálise —, retoma-se a interlocução entre os dois campos, com o apoio de autores contemporâneos que legitimam esse diálogo. Nesse percurso, a autora detém-se nas particularidades da escrita de Virginia Woolf, cuja reflexão memorialística e estilística adquire relevo central. Seus momentos de ser e de não ser oferecem imagens potentes de presença e suspensão subjetiva. A partir desses conceitos literários e existenciais, no texto é interrogado o trabalho analítico diante de pacientes que, por efeito de traumas precoces — incluindo, por vezes, o abuso sexual —, vivem estados de apagamento psíquico e ausência de si. Com base nas contribuições de sonhar de Bion, da impossibilidade de sonhar de Ogden, da escuta de casos difíceis de Fernanda Alexandre e do silêncio de Vidigal, entre outros, propõe-se uma clínica da sustentação, voltada para formas primitivas de existência. Três vinhetas clínicas ilustram essa escuta que sustenta e faz (re)nascer vida e sentidos.
Palavras-chave
Escuta analítica, Momentos de não ser, Identidade, Trauma
Biografia Autor
Maria Cristina Farias Ferreira
Psicóloga Clínica e Psicanalista. Membro Associado da Sociedade Portuguesa de Psicanálise (SPP) e da Associação Psicanalítica Internacional (IPA).
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