O Negativo Genocida e a Matriz Cultural do Objeto: Para uma Psicanálise da Hipercomplexidade
Resumo
A clínica contemporânea é devedora de uma visão hipercomplexa da dinâmica do par analítico. Esta visão considera não só as exigências do trabalho interno, de integração, dos desenvolvimentos fantasmático, libidinal e objetal, das elaborações intersubjetivas e intersubjetivas, as decorrentes da co-construção criativa, presentes na transferência-contratransferência, mas também as exigências decorrentes da ausência, dos fenómenos do negativo, como ainda estende o lugar do inconsciente, recalcado, e do projetado ao inconsciente do agir, da família e do grupo.
Na visão proposta, a matriz interna onde decorre a experiência intersubjetiva — o ambiente emocional e cultural, no qual o objeto habita no interior do sujeito — bem como a matriz intersubjetiva familiar e comunitária — na qual se inscrevem as relações e os laços afetivos se organizam e se perpetuam — representam o cenário negativo do objeto. Numa etapa avançada do processo analítico, o par acede àquelas matrizes, a? estória encriptada, mediante a análise do negativo da relação transfero-contratransferencial.
A elaboração da hipercomplexidade permite o empoderamento da subjetividade: estória pessoal e familiar e contexto histórico do grupo. A instância dessa abordagem é ilustrada mediante um caso clínico, no qual o gesto suicida representa o lado positivo do negativo ausente: o contexto do genocídio ancestral.
Palavras-chave
Genocídio, Matriz, Negativo, Suicídio
Biografia Autor
Maria José Martins de Azevedo
Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta, Psicanalista e escritora. É formadora na Sociedade Portuguesa de Psicanálise (SPP). Titular, Formadora e Supervisora na Sociedade Portuguesa de Psicanálise Clínica (SPPC), colabora na Formação na SEPEA (Société Européenne pour la Psychanalyse de l’Enfant et de l’Adolescent), membro da Associação Psicanalítica Internacional (IPA) e da Fédération Européenne de Psychanalyse (FEP).
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