Experiências do Corpo em Pessoas Trans

Resumo
O fenómeno trans configura-se na atualidade como representativo de toda uma série de tensões, articuladas no plano social, político e cultural, assim como na forma como a clínica perspetiva tais formulações. Central a este discurso, o corpo surge como dimensão importante, considerando-se as suas transformações como representativas de um grau maior de liberdade pessoal. O presente estudo tem como problema de investigação a vivência do corpo de pessoas trans. Empregando os termos propostos por Lemma (2022), procuramos compreender a experiência providenciada pelos participantes do estudo relativamente ao «corpo dado» e ao «corpo certo»/corpo ideal. Metodologicamente, optou-se por uma pesquisa de cariz qualitativo, sendo empregado o método biográfico-narrativo-interpretativo. Em termos dos resultados obtidos, verificou-se que o período da puberdade revela ser de particular importância na transição entre o corpo dado e o corpo ideal, assistindo-se a uma diversidade de posicionamentos em relação a tal formação. O processo de transição é alvo de profunda reflexão, sendo que o ato cirúrgico aparece como opção, não enquanto necessidade óbvia. Em termos de conclusão do estudo, aponta-se para a implicação ética da teoria e prática psicanalítica na relação com este fenómeno.
Palavras-chave
trans, corpo, género, teoria psicanalítica
Biografia Autor
Daniel Matias
Psicólogo clínico (ISPA), Doutor Europeu em Estudos Culturais (FCSH-UNL). Membro da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica. Realiza investigação, de carácter transdisciplinar, nas áreas do género e sexualidade, trauma e violência.
Referências
- American Psychological Association. (2015). Guidelines for Psychological Practice with Transgender and Gender Nonconforming People. American Psychologist, 70(9), 832–864. https://doi.org/10.1037/a0039906
- Bassols, M. (2021). La diferencia de los sexos no existe en el inconsciente. Grama.
- Benjamin, J. (1995). Like Subjects, Love Objects: Essays on Recognition and Sexual Difference. Routledge.
- Bion, W. R. (1970). Attention and interpretation: A scientific approach to insight in psycho-analysis and groups. Em C. Mawson (Ed.), The Complete Works of W. R. Bion, Volume VI (pp. 211–330). Routledge.
- Breslow, J. (2017). “There is Nothing Missing in the Real”: Trans Childhood and the Phantasmatic Body. Transgender Studies Quarterly, 4(3-4), 431–450. https://doi.org/10.1215/23289252-4189910
- Cavanagh, S. L. (2017). Transpsychoanalytics. Transgender Studies Quarterly, 4(3-4), 326–357. https://doi.org/10.1215/23289252-4189865
- Connell, R. (2010). Two Cans of Paint: A Transsexual Life Story, with Reflections on Gender Change and History. Sexualities, 13(1), 3–19. https://doi.org/10.1177/1363460709352723
- Creswell, J. W. (2007). Qualitative Inquiry & Research Design: Choosing Among Five Approaches Sage.
- Freud, S. (1923). The Ego and the Id. Em The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, vol. 19 (pp. 12–66). Vintage.
- Gherovici, P. (2017a). Transgender Psychoanalysis: A Lacanian Perspective on
- Sexual Difference. Routledge.
- Gherovici, P. (2017b). Depathologizing Trans: From Symptom to Sinthome. Transgender Studies Quarterly, 4(3-4), 534–555. https://doi.org/10.1215/23289252-4189956
- Gil, J. (2005). A Imagem-Nua e as Pequenas Percepções. Relógio D’ Água.
- Heenen-Wolff, S. (2021). Gender and transgender: a metapsychological contribution to the genesis of the sexual ego. The International Journal of Psychoanalysis, 102(3), 464–478. https://doi.org/10.1080/00207578.2020.1846457
- Hertzmann, L. & Newbigin, J. (2023). Psychoanalysis and Homosexuality: A Contemporary Introduction. Routledge.
- Jorge, M. A. C. & Travassos, N. P. (2018). Transexualidade: O Corpo entre o Sujeito e a Ciência. Zahar.
- Lattanzio, F. (2021). O Lugar do Gênero na Psicanálise: Metapsicologia, Identidade, Novas Formas de Subjetivação. Blucher.
- Lemma, A. (2022). Transgender Identities: A Contemporary Introduction. Routledge.
- Miller, J. A. (2021). Docile au trans. Lacan Quotidien, 928, 3–18.
- Missé, M. (2014). Transexualidades: Otras Miradas Posibles. Egales Editorial.
- Porchat, P. (2020). Transmitindo questões de gênero. Em D. Teperman,
- T. Garrafa, T. & V. Iaconelli (Eds.), Gênero (pp. 13–21). Autêntica.
- Preciado, P. B. (2020). Je suis un monstre qui vous parle. Grasset.
- Robson, C. (2002). Real World Research. Blackwell.
- Roudinesco, E. (2002). “Other” Sexualities — I”. Psychoanalysis and Homosexuality: Reflections on the Perverse Desire, Insult and the Paternal Function. The European Journal of Psychoanalysis, 15. https://www.journal-psychoanalysis.eu/articles/other-sexualities-i-psychoanalysis-and-homosexuality-reflections-on-the-perverse-desire-insult-and-the-paternal-function
- Saketopoulou, A. (2020). Thinking psychoanalytically, thinking better: Reflections on transgender. International Journal of Psychoanalysis, 101(5), 1019–1030. https://doi.org/10.1080/00207578.2020.1810884
- Vila-Real, A. (2023). As cores do corpo: Reflexões com base em dinâmicas trans. Revista Portuguesa de Psicanálise, 43(2), 67–73. https://doi.org/10.51356/rpp.432a9
- Von Doellinger, O. (2017). Corpo e Identidade: Perspetiva Psicodinâmica da Unidade Somatopsíquica. Lidel.
- Wengraf, T. (2001). Qualitative Research Interviewing. Sage.
- Winnicott, D. W. (2005). Playing and Reality. Routledge. (Original publicado em 1971.)
- Zanón, A. (2019). Transexualismos en Psicosis y no Psicosis: Ensayo Clínico. Lugar.