Revista Portuguesa de Psicanálise 41(1): 84-91



Temas em Debate


O Final da Análise em Crianças e Adolescentes


Maria Fernanda Alexandre1


Ao abordarmos este desafiante tema, proposto pela Revista Portuguesa de Psicanalise,  ocorrem-nos diferentes questões de ordem teórica e técnica que nem sempre são fáceis de elaborar. Primeiramente, interrogamo-nos se existem diferenças significativas, sob o ponto de vista teórico e clínico, entre a psicanalise das crianças, dos adolescentes e dos adultos ou se, pelo contrário, não haverá, como a prática clínica nos ensina, um denominador comum que assenta, preferencialmente, na qualidade e especificidade da dinâmica do campo analítico. Neste sentido, alguns psicanalistas questionam-se se não haverá diferenças mais relevantes entre os modelos teóricos que se utilizam nestas análises do que verdadeiramente nos mostra a prática clínica com estes pacientes (Ferro, A.,1998). Nestas circunstâncias, parece-nos que, como tivemos a oportunidade de salientar noutro lugar (Alexandre, M.F.2006), o que se torna mais significativo no processo analítico é mais a qualidade da dinâmica da relação do par analítico do que propriamente as diferenças de idades dos analisandos. Assim, torna-se importante assinalar que existe um elemento que é comum às diferentes idades e, que está sempre presente em todo o processo analítico, que é “o reencontro do infantil do analista com o infantil do analisando, que permite a constituição de um quadro interno da situação analítica” ( Guignard, F. 1998). 

Parece-nos importante destacar que no processo psicanalítico destas fases do desenvolvimento, ao contrário dos adultos, o analista além de contactar, através da sua contratransferência, com os diferentes movimentos fantasmáticos da criança e dos adolescentes na relação com os seus pais internos, também tem a possibilidade de contactar com os pais reais.  Esta relação, como sublinham Guignard e Houzel (1989),  é uma relação a “três gerações”, ao contrário do adulto que é uma relação a “duas gerações”, o que levanta  dificuldades acrescidas no campo da análise da transferência e da contratransferência  e, naturalmente, na decisão do final  do processo psicanalítico. Neste sentido, o  psicanalista precisa de ter uma fina sensibilidade de forma a contactar   e distinguir as diferentes  qualidades de transferências - positivas ou negativas- que se entrecruzam, no espaço analítico, entre as crianças, os adolescentes e os seus pais. Nestas circunstâncias, a elaboração da contratransferência do analista em face das diferentes transferências facilita e prepara o final da análise, mesmo se a interpretação deva ser sempre realizada no contexto da  relação com a criança e o adolescente, e não com os pais.  

Assim, o final do processo psicanalítico convoca e revisita, por um lado, todos os “lutos” das experiências traumáticas de perda e de separação vividas anteriormente ao longo do processo psicanalítico, reativando, por vezes, o receio de ser abandonado pelo analista. Mas, por outro lado, contacta também com o reconhecimento da sua evolução e da sua capacidade  de estabelecer um diálogo interno consigo próprio,  mostrando que integrou as experiências emocionais vividas ao longo do processo psicanalítico. A experiência clínica mostra-nos que o final do processo psicanalítico com crianças e adolescentes quase sempre espelha a forma como o analista elaborou a sua contratransferência em relação à dinâmica da relação com os seus pacientes e os seus  pais. Podem surgir situações em que os pais, por se sentirem rejeitados e excluídos do processo analítico dos seus filhos, convocam uma série de fantasias esquizoparanóides tanto contra o analista assim, como em relação ao próprio processo terapêutico, comprometendo, assim, o final do trabalho psicanalítico. Mas, como a experiência clínica nos mostra, o final da análise condensa e convoca as diferentes separações que foram vividas e elaboradas na dinâmica da dupla analítica ao longo do processo analítico. 



BIBLIOGRAFIA


Alexandre, M.F. (2006). A Criança e o Infantil  na obra de Freud-Prelúdio da Actual Psicanalise de Crianças ?.In Sigmund Freud - 150 Anos Depois. Lisboa: Fenda

Alexandre, M.F. (2000). A Sombra de Narciso sobre os Destinos da Simbolização, Revista Portuguesa de Psicanálise, 19:75-81.

Bégoin-Guignard, F., Houzel, D. (1989). Technique et contre-transfert en psychanalyse d`enfants, Journal de la psychanalyse de l`enfant, 6:19-45. 

Ferro, A. (1998).  L´unicité de l´analyse entre analogies e différences dans l´analyse d`enfants et d`adolescents en Europe, Psychanalyse en Europe. Bulletin de la FEP, 50:49-60.

Guignard, F. (1996). Au vif de l`infantile - Réflexions sur la situation analytique, Lausanne: Delachaux et Niestlé.




Além do Final: Efêmero ou Duradouro?


Ana Belchior Melícias2


“[…]  a elaboração do final de um tratamento assemelha-se à dificuldade de conceber o último suspiro de um ser fantasmático que teria ganho vida entre a criança e eu. “(Anzieu, 2003, p. 257)


“[…] trabalho de terminação ou “processo de desmame”, pois é em sua matriz anterior à terminação, e em sua honra - in memoriam pode dizer-se - que o trabalho de integração continua.” (Meltzer, 1971, p. 68)


O tema proposto, e raramente enfocado, contrasta com a considerável bibliografia sobre o fim da análise de adultos, apresentado inicialmente por Ferenczi (1927) e seguido por Freud (1937) com o incontornável texto “Análise terminável e interminável”. Para Costa (2009), no entanto, os psicanalistas atuais estão menos preocupados com esse binômio, debruçando-se antes sobre “como efetivar a separação - sem a qual a análise não acaba.» (p. 46).

Tendo como herdeiro direto Winnicott, Ferenczi (1931) vai além dessa problematização, ao propor a “análise pelo jogo” com os adultos, promovendo a regressão ao infantil. Aproxima assim a análise de adultos à de crianças, recentemente formulada pela IPA em termos de “formação integrada”. A própria psicanálise tem vindo “a evoluir regressivamente, ou seja, no sentido do originário, do precoce, do arcaico, como se todos soubéssemos desde Freud, e através dele, que a infância/o infantil, tal como o sonho, são a “via régia” (Melícias, 2017, p. 14) 

Verifica-se, na clínica contemporânea, a passagem do infantil como adjetivo, utilizado desde Freud, ao infantil como substantivo (Guignard, 1997). O encontro do infantil do analista e do infantil do analisando, torna-se o eixo central no campo analítico.  

A análise de crianças e adolescentes traz uma sobrecarga técnica pelo setting, pelo brincar e pelo manejo de transferências e contratransferências entrecruzadas  (entre criança/adolescente, pais e analista), o que leva Meltzer (1971) a referir-se ao final como “o triste problema tão frequentemente encontrado - a interrupção da análise.” (p. 68). Segundo este autor, há três tipos de conclusão do trabalho analítico: a terminação, a interrupção por razões externas e a interrupção devida a um impasse terapêutico (a mais frequente com adultos). “A interrupção por razões externas é, de facto, o resultado usual da análise de crianças, exceto quando os próprios pais foram analisados.” ( op. cit., p. 75)

Parto assim dos três casos fundadores e contrasto-os com três breves vinhetas de psicanálise com crianças, para ilustrar algumas questões.

Em Hans (1909/1969), o término consistiu na cura sintomática da sua fobia, mas vale aqui a pena recordar o encontro com Freud, aos 20 anos, e a constatação da sua amnésia analítica, forjando a passagem da 1ª para a 2ª tópica. Poderíamos perguntar-nos, com Kupermann (2007, p. 4), se a amnésia não seria “... um dos destinos privilegiados do final da análise com crianças que ainda não atravessaram o período de latência?” E continuando, “...se a questão do final de análise com crianças remete ao período de latência e à amnésia que só ganhará novo sentido na adolescência...” (op. cit, p.10), então deveríamos refletir sobre o final da análise com adolescentes.

Juliana, 6 anos, apresenta uma fobia incómoda para a família. Após um ano, o trabalho é interrompido, pois o sintoma tinha desaparecido, o que é normalmente solicitado e desejado pelos pais. Com 17 anos Juliana volta, ficando então por 3 anos. No reencontro diz não se lembrar do que vivemos, mas traz um sonho e, com ele, clarifica tanto o fio inconsciente de ligação que se manteve intacta 10 anos, como o abandono sentido: há que resgatar uma menina de 7 anos, sozinha na praia, paralisada frente à onda de um tsunami. Considerando os dois tempos do desenvolvimento psicossexual, o término satisfatório da análise de crianças só deveria ser avaliado a posteriori? Meltzer (1971) alerta que a terminação de uma análise «dificilmente pode ser aplicada às crianças, que ainda têm diante de si a maior revolução biológica e social inerente à puberdade.” (p. 68)

Em Richard, apesar da análise ter de ser interrompida no momento de maior progresso, Klein termina dizendo que “...as mudanças produzidas nessa análise incompleta foram, em certa medida, duradouras.” Na última sessão, Richard esteve profundamente absorvido com o relógio: “acariciava-o, manuseava-o, abria-o e fechava-o, dava-lhe corda...” (Klein, 1994, p. 452). Pede para traçar o contorno da mão de Klein, sobre o contorno previamente traçado da sua própria mão. Leva a folha consigo como forma de a manter dentro e diz ter “decidido continuar o trabalho com Mrs. K. em algum momento no futuro.” (op. cit., p. 454) Os movimentos do limiar da posição depressiva no processo analítico, “prepararam a cena para o trabalho de terminação, por um lado, e para o interminável trabalho de lutar pela integração através da análise e da autoanálise, por outro.” (Meltzer, 1971, p. 67)

Simão é trazido com 9 anos durante o processo terminal de doença de sua mãe. Passado um ano, com o desenlace previsto, o trabalho é interrompido. Aos 26 anos, Simão procura o meu contato na internet, liga e pergunta se ainda estou no mesmo consultório “na curva onde os carros dão a volta...”. Lembra-se que desenhava guerras e podia falar de tudo. Criar uma rêverie-pensabilidade, para o trabalho de “luto”, a agressividade criadora e a transferência negativa, seria a possibilidade de dar a volta, de continuar? Será essa introjeção que perdura como autoanálise, ativada justamente pelo término?

Em “Piggle”, o término é um “desfazer-se”. Gabrielle “usou” e “destruiu” Winnicott (1987): “ela rola a régua para mim e isso me mata. Eu morro e ela se esconde. Então volto a viver e não consigo encontrá-la.” (p. 169) Ilustra ainda como critério do fim, a “capacidade de estar só”: “ela sentava-se no chão de costas para mim, sozinha em minha presença e brincava.” (op. cit., p. 169) “Compartilhar com a criança e acompanhar o adolescente é, assim, dispor-se a uma comunicação, direta com seu silêncio e sua solidão, estabelecendo uma ressonância afetiva que lhes permite ficar sós, mas não traumaticamente abandonados.» (Kupermann, 2007, p. 194)


Marta vem com 10 anos e aos 12 o processo é interrompido por razões externas familiares. Aos 15 anos, retorna contrariada a pedido dos pais. Não fica, mas fica em aberto para quando desejar. Aos 21 anos liga, no dia de Natal, e pede um horário, mas em Janeiro não comparece. Aos 25 anos, chega, grávida. Re-iniciamos o trabalho sobre o infans que não conseguimos integrar satisfatoriamente e se concretiza agora no bebé real. Mas sabemos que qualquer análise será sempre do infans, será sempre incompleta, em defesa de uma certa anormalidade (McDougall, 1989) e, pelo efeito transferencial, continua muito além do dia em que analista-analisando se despedem. A análise com crianças/adolescentes será, portanto, uma análise sem fim?

Neste sentido, aos substantivos fim, final, término, terminação e aos adjetivos terminável, interminável, completo e incompleto, comumente utilizados para designar a análise com ou sem fim, numa lógica binária-bidimensional, proporia centrar o eixo no par efémero-duradouro, mais de acordo com o funcionamento psíquico e o processo analítico.

Isso traz, indissociavelmente, os inumeráveis critérios de cura: ultrapassar “o rochedo da castração” que se manifesta em ambos os sexos como repúdio à feminilidade (Freud, 1937); a análise das ‘rochas originais”, através da análise da inveja, da voracidade, da omnipotência e das ansiedades persecutórias (Klein, 1991); prevalência da posição depressiva; predomínio da pulsão de vida, com o ódio mitigado pela reparação dos objetos danificados na fantasia; funcionamento criativo da mente (tetradimensionalidade); introjeção do bom objeto; do falso/funcional ao verdadeiro self; da pré-genitalidade ao édipo; da mentira psíquica à verdade; do prazer à realidade; da identificação projetiva excessiva às identificações introjetivas; da ambiguidade à ambivalência; da capacidade de estar só; da tolerância à separação, ao “luto” e à incerteza. E, como os inícios se ligam aos fins, a separação, angústia major do ser humano, é experienciada no nascimento, revivida a cada evolução - desmame, dentição, controle dos esfíncteres, exclusão edípica, etc. - e reativada como morte, a derradeira separação.


Anzieu (2003), do outro lado do espelho, aponta os efeitos no analista do fim da análise, pois se é o prazer sempre incompleto/insatisfeito da criança que nos leva a sermos analistas de crianças, é também aquilo a que devemos renunciar internamente para nos tornarmos adultos: “na nossa relação com a criança é o mais íntimo, o mais precioso de nossa estrutura psíquica que é colocado em jogo, mesmo sendo por vezes o mais doloroso (...) como se partes de nós próprios devessem desaparecer.”(p. 258)



BIBLIOGRAFIA


Anzieu, A. (2003). L’analyste à la fin d’une analyse d’enfant. In Le travail du psychothérapeute d’enfant. Paris: Dunod. (pp. 245-258).

Costa, M. F. (2009). O fim da análise. Trabalho de candidatura a Membro Titular da Sociedade Portuguesa de Psicanálise.

Ferenczi, S. (1927/1992). O problema do fim da análise. In S. Ferenczi, Psicanálise IV (A. Cabral, trad., pp. 15-24). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original escrito em 1927).

Ferenczi, S. (1931/1992). Análises de crianças com adultos. In S. Ferenczi, Psicanálise IV (A. Cabral, trad., pp. 69-83). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original escrito em 1931).

Freud, S. (1937/1975). Análise terminável e interminável. In S. Freud, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 23, pp. 239-288). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1937).  

Freud, S. (1909/1969). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. In S. Freud, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 10, pp. 11-154). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1909).

Guignard, F. (1997). O infantil ao vivo: reflexões sobre a situação analítica. Rio de Janeiro: Imago.

Klein, M. (1991). Sobre os critérios para o término de uma psicanálise. In M. Klein, Obras Completas de Melanie Klein. Vol. III. Inveja e gratidão e outros trabalhos 1946-1963 (B. H. Mandelbaum et alii, trad., pp. 64- 69). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1950). 

Klein, M. (1994). Narrativa da análise de uma criança. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1961).

Kupermann, D. (2007). Sobre o final da análise com crianças e adolescentes. Estilos da Clínica, 2007, Vol. XII, nº 23, 182-197. 

McDougall, J. (1989). Em defesa de uma certa anormalidade: teoria e clínica psicanalítica (3ª ed). Porto Alegre: Artes Médicas.

Melícias, A. B., et al, (ed.) (2017). Psicanalisarium - quatro crianças no divã. Lisboa: Freud & Companhia.

Meltzer, D. (1971). O processo psicanalítico: da criança ao adulto. (Trad. William Heinemann). Rio de Janeiro: Imago (Trabalho original publicado em 1967).

Winnicott, D. W. (1987). The Piggle: relato do tratamento psicanalítico de uma menina (2ªed). (trad Else Pires Vieira e Rosa de Lima Martins). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1977).





Final de Análise com Crianças e Adolescentes


Maria Elisabeth Cimenti3

 

Onde vais, elefantinho

Correndo pelo caminho

Assim tão desconsolado?

Andas perdido, bichinho

Espetaste o pé no espinho

Que sentes, pobre coitado? 

                                                                        

Estou com um medo danado

Encontrei um passarinho


(Vinicius de Moraes)



Os versos de Vinicius de Moraes ilustram, apesar da despretensão, o que seria a angústia neurótica. Não existe proporcionalidade entre o temor que gera um objeto e o real risco que apresenta. Claro, nas fobias isso fica evidente; mas de modo geral, toda neurose se caracteriza por tal desproporcionalidade. Isso posto, pode-se começar a definir um aspecto importante para se pensar em final de uma análise de uma criança ou de um adolescente. Espera-se que o montante de angústia esteja mais equilibrado à proporção do risco. A mais-valia do perigo assoberba a infância e a adolescência, frente aos desafios comuns desse período do desenvolvimento, como o desfralde, a entrada na escola, as separações dos pais por diferentes motivos, a mudança corporal e outros. 

Neste breve comentário, pretendo abordar algumas considerações a partir da leitura do belíssimo texto de Maria Fernanda Alexandre. Optei por um debate mais livre, no qual as ponderações se apoiem na própria práxis. 

A meu ver, não existem critérios específicos que definam o momento de encerrar um tratamento. Cada criança ou adolescente constituir-se-á numa experiência singular em sua análise. Entretanto, considero fundamental que ocorram transformações que deem sentido à experiência de ser daquele sujeito. E que ele possa experimentar uma sensação de estar mais feliz em sua intimidade, mesmo que ainda mantenha certos traços peculiares, socialmente questionáveis, como timidez ou alguma inibição. Com maior sentimento de aceitação de si, encontrará formas de se fazer aceitar no social.

Contudo, penso ser importante que os sintomas iniciais tenham sido esbatidos, mesmo que representem tão somente a ponta de um iceberg. O importante, me parece, é não se pretender um ideal de perfeição para aquela criança ou adolescente. Busco com isso destacar que o analista não se coloque como o sujeito suposto saber e, a partir deste lugar, pretenda definir o que seria melhor para aquele sujeito. O analista deveria fazer frente ao desejo da criança ou do adolescente. Com relação ao término, assegurar de que fará tudo para continuar o trabalho de análise com ele, enquanto assim o necessitar e desejar. Tanto a criança quanto o adolescente devem sinalizar que se sentem tranquilos para um término e isso pode ser pensado junto à(ao) analista. Nem sempre se esgota o trabalho de cura na primeira etapa de uma análise. É comum haver a conclusão de uma etapa e posterior retorno na puberdade ou adolescência mais tardia ou até  na idade adulta. Cria-se um vínculo transferencial que poderá se estender para o futuro. O importante é que se coloque a palavra verdadeira para o sujeito, independente da idade que possa ter, e, através dela, dar sentido à sua história e às suas experiências.  

Existe uma especificidade da análise nestas etapas particulares da infância e da adolescência.  Ela diz respeito à presença do desejo dos pais e mesmo a sua eventual pressão no desenvolvimento do processo. A necessidade de análise de uma criança interpela profundamente as angústias infantis, materna e paterna, bem como as identificações que sustentam suas imagens como pais. Mesmo aqueles que iniciaram o tratamento com muita motivação, frente ao sofrimento ou incômodo gerado pelo filho ou filha, podem desenvolver transferências, que impõem obstáculos à análise. Muitas vezes, o sintoma infantil põe a descoberto alguma importante dificuldade dos pais, que, embora provocando algum grau de limitação ou dor, representa uma imaginária posição de equilíbrio. Toda a vez que se ameaçar tal equilíbrio, manifestar-se-á uma forte corrente de resistência ao trabalho analítico. Nesta oportunidade, é fundamental, sempre que possível, que se elaborem as angústias paternas, através da interpretação das mesmas, e seja proposto rever a história materna e paterna, para assim construir uma narrativa que forneça maior sustentação simbólica a esta família. Muitas vezes, a própria criança ou adolescente sinaliza a necessidade de se dar atenção ao pai ou à mãe para o trabalho poder seguir em frente. É de suma importância termos uma escuta atenta e sensível aos sinais de resistência, através de um cumprimentar diferente, algum atraso inabitual ou um tom de irritação, mesmo que sutil. 

Ocorre, ainda, muitas vezes, uma certa impaciência por parte dos pais, com relação a precipitar o final da análise, mesmo quando o jovem analisando sente-se ainda em pleno processo. Neste caso, seria importante justificar muito claramente as consequências de uma interrupção prematura, salientando que a remissão do sintoma não significa a sua elaboração mais consistente em nível profundo; embora deixando-se claro o respeito pela decisão dos pais, que, em última instância, serão quem legitimamente irá garantir o processo, de acordo com seu desejo ou seus limites, naquela oportunidade temporal. 

É certamente difícil para qualquer pai ou mãe ver outro adulto ser mais íntimo de seu filho ou filha do que eles. E, em algumas ocasiões, criam alguma situação para se colocar mais e sentir se a atitude da(o) analista será suficientemente sensível e respeitosa. O infantil dos pais, inúmeras vezes, se faz presente e se engancha ao infantil da(o) analista, chegando o processo a se tornar possível, na medida em que este aspecto  tenha sido trabalhado pelo profissional em sua própria análise. Com isso, quero dizer que toda a análise poderá ter impasses contratransferenciais de acordo com as possibilidades da(o) analista em questão. 

Por último, mas não menos importante, pretendo destacar a importância do desejo da(o) analisanda(o) para que se sustente uma análise. Muitas vezes, percebi uma criança transformar a decisão de seus pais, no sentido de interromper seu processo, criando um fato que os levasse a repensar a posição que iriam tomar. 

Finalizo, sublinhando a complexidade do trabalho analítico com crianças, por se tratar de um palco, no qual se entrelaçam inúmeras angústias e sobreposições de afetos de diferentes atores. Entre esses afetos, devemos nos mover sem perder de vista o desejo do nosso sujeito-foco e priorizar a essência de sua espontaneidade mais original.

Encerro com um poema de Manoel de Barros: 


No aeroporto o menino perguntou:

— E se o avião tropicar num passarinho?

O pai ficou torto e não respondeu.

O menino perguntou de novo:

— E se o avião tropicar num passarinho triste?

A mãe teve ternuras e pensou:

Será que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia?

     Será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom senso?

Ao sair do sufoco, o pai refletiu:

Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças.

E ficou sendo.





Separation and new beginning 

as developmental tasks


Dieter Burgin4


The end and the beginning of a therapy are intertwined. Neither can be considered in isolation from the other. The question therefore arises as to what it is that comes to an end in an analytic therapy and what begins anew. The topic of ending inevitably accompanies the whole therapy. There are rarely, if ever, clear criteria for ending, but only subjective assessments. The question of the right time to end depends on the goals for which the patient is striving and the aims that the analyst considers to be attainable and appropriate. Arguments about “decision criteria” usually arise because of different basic assumptions.

‘Children are in urgent need of analytic therapy when normal progressive development is arrested or has been slowed up significantly, whether the reason for this is symptom formation, or excessive defense activity, or undefended anxiety, or massive regression, etc. From this follows that they should be considered cured as soon as the developmental forces have been set free again and are ready to take over. But appealing as this solution is in theory, in practice it is not at all easy to determine when precisely this welcome change in the child’s personality is taking place and where exactly in his structure it is developing’ (Freud A., 1971, p. 14). 

The precondition for the conclusion is the existence of a therapeutic process. The therapeutic process can be described as a relational process that accompanies a developmental movement in which the child reflects on his actions and asks about their motivations and symbolic meanings. This increases the flexibility of the libidinal cathexes and creates constant movements between fantasy and reality as well as between primary and secondary processes. The relationship acts as a kind of enzyme that sets this process in motion. It is characterised by a functional asymmetry, a circumscribed setting and a regularity in the encounter. 

What ends with the conclusion of therapy? It is the therapeutic relationship, in which new developmental steps have been taken, or which, through the transference/countertransference movements, has allowed a re-calibration of infantile blocking solutions. In the best case, these relational activities are internalised as functions. Furthermore, the constant influx of a development-promoting external world, another person’s temporally limited reference to oneself as the auxiliary ego in whose protected space the exploratory activity into the dark realm of one’s own psychic functioning can be ventured, falls away.

What is it that begins anew? It is an onward movement without external support that involves testing out the developed independence and pleasurable functioning, the experience of detachment without guilt, the removal of a specific relational asymmetry, the reshaping of real object relationships, the mourning work after the separation, the demarcation from the different other with preserved interest and tolerance, the testing of acquired capacities in ‘unprotected’ social relationships, the constant self-rediscovery along the way, and the experience of a certainty that the pain or rage of separation and change can be preserved in oneself. 

These events of termination and a new beginning occur not only for the patient, but also for the analyst. In his countertransference, he often feels anxiety about the outcome of the therapy. He wonders whether the process has gone deep enough, whether the existing problematic material has been sufficiently worked through, and whether the result achieved is stable enough. He also feels sadness and anger as separation reactions and is always reminded of the end of his own analysis. He is indebted to the patient for a new experience, a new insight into the functions and structures of another inner world and the realisation of a specific conscious and unconscious dialogue. 

In child analysis, the central concern can be to make available the child’s potential for continuous, progressive development without an analyst, and to increase his ability to deal openly with conflictual material. The ending of analysis bears some resemblance to a grieving process. Children often react to object loss with somatisation, a reinforcement of magical thinking, increased use of denial and activation of the defensive methods they used. 

In the termination phase, which is a treatment phase, the loss of the analyst as a real person alongside the transference should - in addition to the other conflicts - always be dealt with. The termination phase has begun when the end of analysis has become a persistent, important focus of the therapeutic work. The beginning of the termination also appears in moods, affects, dreams, fantasies, and concrete plans. First, the topic of termination becomes an important subject; then it turns into mentioning an ending and, finally, there follows the setting of the termination date. Grief and worry are usually only evident after a termination date has been set. 

Many child therapies and analyses are terminated by external circumstances (Sandler et al., 1980), but it remains ideal if the child, the parents, and the analyst can decide together and collaboratively when choosing a termination date. However, only about 40% of child analytic therapies are completed in agreement (Freud A., 1971). It is not uncommon for parents and analysts to disagree about the termination date. The main causes of premature termination are excessively positive or negative transference, technical errors, or pubertal rebellion. 

In adolescents, a distinction must be made between the wish to end an analytic process and the specifically adolescent need to separate from primary objects (Kernberg, 1982). Adolescents often find an appropriate external event for a unilateral conclusion that they find sufficiently plausible (Novick, 1976). However, it is desirable, both in latency and especially in this age group, that there should be mutual agreement and acceptance of the approaching end of analysis.


REFRENCES


Freud, A. (1971). Problems of termination in child analysis. In The Writings of Anna Freud, 7, 3–39. International Universities Press.

Kernberg, P. (1982). Termination in child analysis. Unpublished lecture, Basel. 

Novick, J. (1976). Termination of treatment in adolescence. Psychoanalytic Study Child, 31, 389–414.

Sandler, J., Kennedy H. & Tyson R. L. (1980). The Technique of Child Analysis. Harvard University Press.



1 Psicóloga Clínica e da Saúde, Psicoterapeuta e Psicanalista. Psicanalista de Crianças, Adolescentes e Adultos e Membro Titular, com funções didáticas, da Sociedade Portuguesa de Psicanalise (SPP) e da Associação Internacional de Psicanalistas (IPA). E-mail: mfgalexandre1908@gmail.com  

2 Psicanalista Associada da Sociedade Portuguesa de Psicanálise (SPP) e da International Psychoanalytical Association (IPA). Analista  de Crianças e Adolescentes. Responsável pela Introdução do Método Bick na SPP. Formadora  do Instituto de Psicanálise (IP). E-mail: ana.melicias@gmail.com

3 Psicóloga. Psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. Coordenadora de Ensino, supervisora e docente do IEPP. Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRGS. E-mail: bethcimenti@hotmail.com

4 Psychoanalytical private practitioner with Children, Adolescents and Adults. President of the scientific board of the Sigmund Freud Institute, Frankfurt. Supervision and teaching in Germany, Austria and Switzerland. Author. Former EPF and IPA board member. E-mail: dieter.buergin@unibas.ch


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